Tsadok Ben Derech
A Torá prescreve a festa de Shavuot (Semanas), conhecida em Língua Portuguesa como “Pentecostes”, destinada a comemorar os (i) primeiros frutos da colheita de cereais e (ii) o dia em que YHWH entregou a Torá no Sinai.
וּסְפַרְתֶּ֤ם לָכֶם֙ מִמָּחֳרַ֣ת הַשַּׁבָּ֔ת מִיּוֹם֙ הֲבִ֣יאֲכֶ֔ם אֶת־עֹ֖מֶר הַתְּנוּפָ֑ה שֶׁ֥בַע שַׁבָּת֖וֹת תְּמִימֹ֥ת תִּהְיֶֽינָה
“E contareis para vós do dia seguinte ao shabat, desde o dia em que viéreis com oferta elevada de ômer [feixe de cereal]: sete shabatot [sábados] inteiros serão” (Vayikrá/Levítico 23:15).
“Das vossas habitações trareis dois pães de movimento; de duas dízimas de farinha serão, levedados se cozerão; primícias são a YHWH.
Também com o pão oferecereis sete cordeiros sem defeito, de um ano, e um novilho, e dois carneiros; holocausto serão a YHWH, com a sua oferta de alimentos, e as suas libações, por oferta queimada de cheiro suave a YHWH.
Também oferecereis um bode para expiação do pecado, e dois cordeiros de um ano por sacrifício pacífico.
Então o sacerdote os moverá com o pão das primícias por oferta movida perante YHWH, com os dois cordeiros; santos serão a YHWH para uso do kohen [sacerdote]” (Vayikrá/Levítico 23:16-20).
Com fundamento no texto de Vayikrá/Levítico 23:15, percebe-se que a festa ocorre em 50 (cinquenta) dias: dia seguinte ao shabat (1 dia) + sete shabatot/sábados (7 x 7 = 49) = 50. Esta é a razão pela qual a festa é conhecida na Língua Grega como “Pentekostes” (πεντηκοστῆς), dando origem ao vocábulo “Pentecostes” em Português.
A contagem dos quarenta e nove dias até a Festa de Shavuot (50º dia) é denominada Sefirat HaOmêr (Contagem do Ômer), pois o ômer é um feixe de cereal que era levado ao Templo no feriado de Shavuot.
Se é fato incontroverso que a contagem do Ômer começa no dia seguinte ao shabat, a questão polêmica dentro do Judaísmo é: A que Shabat a contagem se refere? Seria o Shabat da criação (sétimo dia da semana) ou primeiro dia de Pessach, também chamado de Shabat?
A dúvida ocorre pelo fato de a palavra “Shabat” (שבת) possuir duplo sentido: 1) o sétimo dia da semana, dia de descanso; 2) qualquer dia festa (Yom Tov) em que a Torá ordena o descanso.
Esta ambiguidade leva a quatro entendimentos distintos sobre a questão. Senão vejamos.
1ª Corrente: O Ômer se conta no “dia seguinte ao Shabat”, ou seja, no Domingo após o término da Festa das Matsot (Essênios, Saduceus e Samaritanos);
2ª Corrente: O Ômer se conta no “dia seguinte ao Shabat”, ou seja, no Domingo que recai durante a festa das Matsot (Caraítas e Rabino James Trimm, que é Nassi do Beit Din Internacional Nazareno);
3ª Corrente: O Ômer se conta no “dia seguinte ao Shabat”, ou seja, no primeiro dia após a finalização da Festa das Matsot (Beta Israel – judeus etíopes);
4ª Corrente: O Ômer se conta no “dia seguinte ao Shabat”, ou seja, no dia seguinte ao primeiro dia de Matsot, ja que este é considerado Shabat; em outras palavras, a contagem começa no segundo dia da Festa das Matsot: o dia 16 de Nissan (Flávio Josefo, Filo de Alexandria, maioria dos fariseus e rabinos).
A Quarta Corrente, que é adotada pelo Judaísmo atual, realiza a contagem do ômer a partir do dia 16 do primeiro mês (Nissan), interpretando que o shabat mencionado em Lv 23:15 não significa o sétimo dia da semana, mas sim o primeiro dia de descanso da Festa das Matsot, que é considerado dia de shabat (descanso) e recai no 15º dia do primeiro mês (Lv 23:6-7). Por conseguinte, se o ômer é contado a partir do dia seguinte (Lv 23:15), o marco inicial de sua contagem será no dia 16 do primeiro mês (Nissan).
Vejamos as fontes judaicas que corroboram a Quarta Corrente.
Escreveu Flávio Josefo:
“No segundo dia dos pães ázimos, ou seja, no décimo sexto dia, nosso povo participa das colheitas que colheu e que não foram tocadas até então, e se considera correto que primeiro se faça uma homenagem a Deus, que lhes deu a abundância destes presentes, e então eles oferecem a Ele as primícias da cevada” (Antiquidades 3:5 [250]).
Também asseverou Filo de Alexandria:
“Mas dentro do banquete [de Matsot] há outro banquete logo após o primeiro dia. Isso é chamado de ‘O Feixe’ [Ômer]”. (Special Laws 1:162).
Os Rabinos afirmam explicitamente em um Midrash haláquico:
ממחרת השבת – ממחרת יום טוב. O dia após o Shabat – ou seja, o dia após Yom Tov [Yom Tov = primeiro dia das Matsot].
Dispõe o Targum Onkelos:
תִמְנוֹן לְכוֹן מִבָּתַר יוֹמָא טָבָא. Vocêm devem contar depois de Yom Tov.
Também ensina o Targum Yonatan:
ותימנון לכון מבתר יומא טבא קמאה דפסחא… Vocês devem contar após o primeiro Yom Tov de Pessach.
Apesar de a Quarta Corrente haver prevalecido e tornar-se a forma da contagem utilizada pelo Judaísmo Normativo atual, o Talmud demonstra o debate entre os Rabinos acerca de como deveria ser contado o Ômer, apresentando também a opinião minoritária sustentada pela Primeira Corrente apontada, reputada como errônea pelos Rabinos (Menachot 65a-66a).
Particularmente, entendemos que a Primeira Corrente, que defende a contagem do Ômer no Domingo após o término da Festa das Matsot, também é dotada de lógica e fundamento, uma vez que a interpretação literal de Vayikrá (Levítico) 23:15 permite o entendimento de que a cláusula “dia seguinte ao shabat” diga respeito ao domingo (primeiro dia da semana). Esta interpretação foi adotada pelos essênios, saduceus e samaritanos.
Não obstante, no período do segundo Templo a contagem do Ômer se fazia de acordo com o pensamento da maioria dos fariseus (Quarta Corrente), ainda que os saduceus discordassem. É o que atesta Flávio Josefo ao dizer que, embora os saduceus controlassem o Templo, eles seguiam a halachá farisaica em relação aos rituais do Santuário, já que os fariseus formavam um grupo muito maior em termos numéricos e gozavam de prestígio perante a população judaica, in verbis:
“… Eles [fariseus] são capazes de persuadir muito o corpo do povo; e tudo o que eles fazem sobre adoração divina, orações e sacrifícios, eles os executam de acordo com a direção deles …” (Antiguidades 18: 1: 3).
Então, ainda que houvesse divergência sobre a contagem do Ômer no período do Segundo Templo, fato é que a contagem ocorria segundo a direção da maioria dos fariseus (contagem do ômer a partir do dia 16 de Nissan), e este fato é atestado por Flávio Josefo, pelos Targumim, pelo Talmud e por outras obras da literatura rabínica.
Alguém poderia argumentar: “Estas fontes não são confiáveis, pois Flávio Josefo era fariseu e todas as obras citadas também foram compostas por fariseus ou por rabinos que os sucederam!”. Em outras palavras, todas estas fontes estão defendendo uma posição doutrinária de forma parcial e em benefício de sua própria interpretação da Torá.
Sim, este argumento poderia até ser manejado. Contudo, Filo de Alexandria, acima citado, não era fariseu e viveu na Diáspora, e o renomado filósofo judeu também atestou categoricamente que a contagem do ômer no Templo ocorria logo após o primeiro dia de Matsot! Assim sendo, temos um testemunho de um não-fariseu atestando a validade do método farisaico acerca do procedimento adotado no Templo, o que torna a sua declaração insuspeita.
Logo, independentemente de qual seja a melhor interpretação da Torá, é líquido e certo que a contagem do ômer ocorria no Templo a partir do dia 16 de Nissan, que é o segundo dia da festa das Matsot – o primeiro dia após o Yom Tov, chamado de Shabat.
Portanto, ainda que achemos a Primeira Corrente bastante razoável, fato é que o calendário do Segundo Templo não a seguia. Mister lembrar que o calendário dos essênios de Qumran (calendário solar de 364 dias) e o calendário dos samaritanos (calendário lunar), que endossam a Primeira Corrente, não eram seguidos no Templo na época de Yeshua, porquanto estes grupos eram alheios e refratários ao próprio Templo.
Por mais que os saduceus, adeptos da Primeira Corrente, controlassem o Templo, Flávio Josefo e Filo de Alexandria afirmam que a contagem do ômer se fazia a partir do dia 16 de Nissan, seguindo a orientação da maioria dos fariseus, uma vez que estes gozavam de prestígio perante o povo de Israel.
Assim sendo, a razoabilidade da Primeira Corrente no plano teórico não derroga a realidade dos fatos: a contagem do ômer se fazia a partir do dia 16 de Nissan no calendário do Templo, ainda que tal contagem desagradasse a diversos grupos.
E como esta questão se situa dentro da B’rit Chadashá?
Lê-se no livro de Atos, capítulo 2 (tradução do aramaico):
1 E quando foram cumpridos os dias de Shavuot, quando estavam reunidos todos como um,
2 de repente houve um som dos Céus como um vento forte, e foi preenchida com ele toda a casa em que estavam assentados.
3 E lhes apareceram línguas que estavam dividas como fogo, e habitaram sobre cada um deles.
4 E se encheram todos da Ruach HaKodesh e começaram a falar em outras línguas, conforme a Ruach lhes dava para falar.
5 E havia homens que viviam em Yerushalayim, que temiam a Elohim, judeus de todas as nações que estão debaixo do céu.
6 E quando aquela voz ocorreu, reuniu-se todo o povo e se agitou, porque cada homem deles ouvia o que estavam falando em suas [próprias] línguas.
7 E ficaram surpresos todos eles e se maravilharam, enquanto diziam um com o outro: Todos esses que estão falando, eis que não são galileus?
8 Como é que nós ouvimos, cada homem, na língua em que nascemos?
9 Partos e medos, elamitas e os que habitam entre os rios, judeus e capadocianos, e aqueles da região de Pontus e da Ásia,
10 e os da região da Frígia e da Panfília, e do Egito e das regiões da Líbia, que estão perto de Cirene, e aqueles que vieram de Roma, judeus e prosélitos,
11 e os de Creta, e árabes. Eis que os ouvimos, e que estavam falando em nossas línguas as maravilhas de Elohim.
12 E se maravilharam todos e se surpreenderam, enquanto diziam um ao outro: O que é esta coisa?
13 E outros estavam zombando deles, dizendo: Estes [homens] têm bebido vinho novo e estão embriagados.
Ora, o texto registra que os discípulos de Yeshua estavam juntos em Shavuot (“Pentecostes”), e este Shavuot era o dia festivo segundo o calendário do Templo, tanto é que naquela festa havia “judeus de todas as nações que estão debaixo do céu”, judeus dos mais diversos países, que estavam juntos para celebrar Shavuot na data seguida pelo Templo (Quarta Corrente apresentada acerca da contagem do ômer). Todos estavam juntos pois Shavuot é uma das três festas de peregrinação obrigatória.
Não faz sentido pensar que os discípulos de Yeshua estavam celebrando Shavuot em uma data e os demais judeus ali reunidos considerassem Shavuot em outra data, porquanto o texto indica que todos estavam reunidos para celebrar a mesma festa de Shavuot, ou seja, na mesma data.
Não se lê na B’rit Chadashá nenhuma passagem de Yeshua ou de seus discípulos criticando o calendário do Templo e consequentemente as datas das festas celebradas pelos judeus. Pelo contrário, Yeshua e seus discípulos são descritos na B’rit Chadashá participando das festas judaicas com os demais judeus segundo o calendário oficial do Templo, que adotou o método farisaico. Não há passagens críticas de Yeshua do tipo: “Vós, fariseus, alteram o calendário seguindo tradições que são mandamentos de homens”; “Meus discípulos, guardai a festa de Shavuot conforme a contagem do ômer que eu vos ensinei, e não segundo a doutrina dos fariseus”. Isto não existe na B’rit Chadashá!
A situação é justamente oposta: Yeshua elogia a halachá dos fariseus, o que inclui a halachá calêndrica, uma vez que estão assentados na cadeira de Moisés (Mt 23:2), ou seja, eles possuem legítima autoridade para estabelecer a halachá. Contudo, o Mashiach apenas criticou a conduta prática de alguns fariseus, provavelmente da Beit Shamai, que ensinavam corretamente, mas praticavam obras más que contrariavam os seus próprios ensinamentos. Dizendo de outro modo: não viviam o que pregavam!
Cumpre esclarecer que, com exceção da questão do divórcio, todas as críticas lançadas por Yeshua aos fariseus se referem a fatos praticados pela Beit Shamai, e não pela Beit Hilel. Em verdade, a halachá de Yeshua é compatível com a da Beit Hilel, conforme leciona o Rabino Harvey Falk na obra “Jesus the Pharisee: A New Look at the Jewishness of Jesus”, fundada em farta prova documental.
Se Yeshua ou seus discípulos seguissem outro calendário, isto seria registrado na B’rit Chadashá. A ausência de informação a respeito indica que eles seguiam o calendário oficial do Templo. Não é possível presumir que seguissem outro calendário, ante a falta de narrativa nas Escrituras.
Assim sendo, conclui-se que os discípulos de Yeshua seguiram o calendário de Shavuot vigente no Templo, tal como os demais judeus de Israel e da Diáspora fizeram em Atos 2, e já foi demonstrado que Filo de Alexandria, filósofo judeu na Diáspora, escreveu que a contagem do ômer ocorria após o primeiro dia de Pessach, isto é, no dia 16 de Nissan, fato também atestado por Flávio Josefo, pelos Targumim, pelo Talmud e demais fontes rabínicas.
O comentarista John B. Polhill, ao discorrer sobre os discípulos em Atos 2:1, também sugere que o calendário seguido para a contagem da data da festa era o farisaico:
“Embora houvesse uma diferença entre os saduceus e os fariseus no acerto de contas exato do dia, o procedimento farisaico parece ter sido seguido no período anterior ao ano 70 dC, no qual o Pentecostes foi considerado exatamente cinquenta dias após o primeiro dia da Páscoa”. John B. Polhill, Atos, vol. 26, The New American Commentary (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1992), 97.
Todos os argumentos apontados afiançam que, segundo o calendário do Templo, o ômer era contado a partir do dia 16 de Nissan, e esta contagem foi seguida pelos discípulos de Yeshua, porquanto celebraram Shavuot na mesma data que os demais judeus!
No passado, chegamos a discordar da posição ora assumida, visto que fomos convencidos pelo argumento contrário à Quarta Corrente, levantado pelo Rabino James Trimm (defensor da Segunda Corrente, isto é, o ômer se conta a partir do primeiro domingo que ocorre dentro da festa das Matsot). Contudo, agora nos retratamos, pelos fundamentos acima expostos, e adotamos a Quarta Corrente, seguida pela Judaísmo Rabínico.
Todavia, citaremos o que escrevemos no passado, fundado nas lições do Rabino James Trimm, e em seguida iremos apresentar a refutação.
Eis o que continha a nossa pena:
“O erro de raciocínio [do Judaísmo Normativo] é comprovado a partir da análise mais detalhada do texto de Yehoshua (Josué) 5:11:
וַיֹּ֨אכְל֜וּ מֵעֲב֥וּר הָאָ֛רֶץ מִמָּֽחֳרַ֥ת הַפֶּ֖סַח מַצּ֣וֹת וְקָל֑וּי בְּעֶ֖צֶם הַיּ֥וֹם הַזֶּֽה׃
‘E comeram do fruto da terra no dia seguinte a Pessach, matsot [pães asmos] e cereais tostados [comeram] nesse mesmo dia’.
Ora, qual o dia seguinte a Pessach?
15º dia do primeiro mês (15º de Nissan, segundo o calendário rabínico). Isto está confirmado por Bamidbar/Números 33:3:
‘partiram, pois, de Ramessés no décimo quinto dia do primeiro mês; no dia seguinte ao de Pessach, saíram os filhos de Israel, corajosamente, aos olhos de todos os egípcios’.
E eis um ponto central da questão, qual seja, é proibido comer o fruto da terra antes de oferecer as primícias (Lv 23:14): ‘E não comereis pão, nem trigo torrado, nem espigas verdes, até ao dia em que trouxerdes a oferta ao vosso Elohim; é estatuto perpétuo por vossas gerações, em todas as vossas moradas’.
E o que isto significa?
Significa que, em Yehoshua (Josué) 5:11, os israelitas tiveram que oferecer as primícias necessariamente no dia 15 do primeiro mês (15 de Nissan), e não no dia 16. Assim sendo, cai por terra a ideia de que as primícias são ofertadas no dia 16 do primeiro mês, que é justamente a base teórica para o argumento do Judaísmo Normativo.
Então, nos eventos de Yehoshua (Josué) 5:11, tem-se uma certeza absoluta: naquele específico ano, o 14º dia do primeiro mês (14 de Nissan), que é Pessach, ocorreu em um shabat (sábado), e ‘no dia seguinte a Pessach’ (Js 5:11) eles puderam comer o fruto da terra, pois já era o dia de primícias (primeiro dia da semana = domingo). Então, eles ofereceram as primícias no dia 15 do primeiro mês e depois comeram no mesmo dia o fruto da terra. Esta é a única solução possível, pois, caso contrário, teríamos que admitir que Yehoshua (Josué) transgrediu a Torá, em decorrência da proibição de Lv 23:14”.
Eis a refutação à citação colacionada: o cordeiro de Pessach era abatido ao entardecer do dia 14 de Nissan (Lv 23:5), e quando chegava a noite já era o dia 15 de Nissan, quando se celebrava o Pessach, também chamado de Chag HaMatsot (Lv 23:6). Assim sendo, o “dia seguinte a Pessach” (Js 5:11) pode ser compreendido como o dia 16 de Nissan. Então, os israelitas em Js 5:11 ofereceram as primícias no dia 16 de Nissan (dia da contagem do ômer segundo a Quarta Corrente) e, logo após, comeram dos frutos da terra no mesmo dia. Ou seja, não existe nenhuma contradição entre Js 5:11 e a proposta de contagem do ômer no 16 dia de Nissan.
Citemos, mais uma vez, Yehoshua (Josué) 5:11 com comentários pessoais entre colchetes:
“E comeram do fruto da terra no dia seguinte a Pessach [ou seja, dia 16 de Nissan], matsot e cereais tostados comeram nesse mesmo dia [no dia 16 de Nissan, comeram matsot e cereais após o oferecimento das primícias, prescrito em Lv 23:14]”.
Nossa interpretação acima citada está de acordo com Mikraot Gedolot, no sentido de que o “dia seguinte a Pessach” (Js 5:11) seria o dia do ômer (16 dia de Nissan), isto é, eles ofereceram as primícias no dia do ômer e então comeram os frutos da terra, o que se compatibiliza com os ensinamento de Rashi.
Contudo, se entendermos hipoteticamente que “o dia seguinte a Pessach” (Js 5:11) seja o dia 15 de Nissan e que os filhos de Israel comeram dos frutos da terra no dia 15, antes da entrega das primícias no dia 16, haveria supostamente uma transgressão à prescrição de Lv 23:14, e aí a tese do Rabino James Trimm teria razão ao asseverar que os filhos de Israel não transgrediram Lv 23:14, razão pela qual o ômer não poderia ser contado a partir do dia 16 de Nissan.
Contudo, há uma falha de raciocínio na premissa exposta pelo Rabino James Trimm. Qual falha? Em Js 5:11, os filhos de Israel poderiam perfeitamente comer os frutos da terra sem entregar as primícias, porque, segundo Chazal, o dever de ofertar as primícias somente surgiu após a conquista e a divisão da Terra Prometida, e a razão é óbvia: antes disso os israelitas subsistiam comendo o man (“maná”). A obrigação da oferta de primícias nasce depois de cessar o man. No livro de Yehoshua (Josué), os filhos de Israel comeram os frutos da terra e, então, o man cessou (Js 5:11 e 12), e é a partir de então que ficaram obrigados a entregar as primícias.
Logo, a tese sufragada pelo Rabino James Trimm, no sentido de que a Quarta Corrente entra em contradição com Js 5:11, não pode prosperar, quer consideremos que “o dia seguinte a Pessach” (Js 5:11) seja o dia 16 de Nissan, quer consideremos que “o dia seguinte a Pessach” (Js 5:11) seja o dia 15 de Nissan.
À guisa de conclusão, podemos compendiar os principais pontos nas seguintes proposições objetivas:
1) A interpretação literal de Lv 23:15 leva a crer que a contagem do ômer, no “dia seguinte ao shabat”, ocorre a partir do domingo, primeiro dia após o shabat, o sétimo dia da semana. A partir desta interpretação literal, subdividem-se duas correntes: a) o domingo em questão é aquele após o término da Festa das Matsot (Essênios, Saduceus e Samaritanos); b) o domingo em questão é aquele que recai durante a festa das Matsot (Caraítas e Rabino James Trimm);
2) A interpretação teleológica de Lv 23:15, fundada na tradição oral, afirma que o “shabat” em tela não é o sétimo dia da semana, mas sim o Yom Tov, inferindo-se daí que o ômer deve ser contado no próximo dia após o primeiro dia de Matsot, ou seja, se Chag Matsot recai no dia 15 de Nissan, a contagem do ômer se inicia no dia 16;
3) A corrente que conta o ômer a partir do dia 16 de Nissan é atestada por antigas fontes judaicas (Flávio Josefo, Filo de Alexandria, Targumim, Talmud e diversas obras rabínicas);
4) No primeiro século, o calendário oficial do Templo contemplava a festa de Shavuot segundo o método de contagem do ômer a partir do dia 16 de Nissan, ainda que outros grupos judaicos insistissem em realizar a contagem de outra maneira;
5) Em Atos 2, os discípulos de Yeshua celebraram Shavuot com os demais judeus de “de todas as nações”, o que indica que eles estavam festejando Shavuot na mesma data, todos seguindo o calendário do Templo;
6) A contagem do ômer a partir do dia 16 de Nissan se tornou o padrão oficial do calendário judaico moderno;
7) Para fins de unidade e comunhão entre o povo de Israel, é salutar que seja mantido o calendário judaico atual. Caso contrário, existirão os mais diversos grupos criando novos calendários, muitos deles sem sentido nenhum, o que termina por enfraquecer a própria unidade do povo de Israel. Exemplo: somente no Brasil existem mais de 20 calendários “judaicos” criados por grupos messiânicos e nazarenos compostos por ex-cristãos, e as festas terminam acontecendo sem qualquer tipo de sincronia e unidade. Ou seja, grupos “judaicos” (fundados por gentios ex-cristãos) se arvoram no direito de criar calendários alternativos e desmerecem o calendário judaico como se este tivesse sido inventado por “ignorantes”, e tal conduta mais afasta do que aproxima o povo de Israel de Yeshua;
8) Pensamos que nós não temos autoridade para reinterpretar ao nosso bel-prazer as Escrituras e alterar o calendário judaico que já funciona por séculos e séculos. Somente seria possível descartar o calendário judaico vigente caso houvesse prova inequívoca e incontroversa de transgressão das Escrituras, o que não ocorre in casu;
9) Ainda que um grupo “messiânico” ou “nazareno” inventasse um novo calendário, por melhor que fosse, não conseguiria mudar o estado das coisas, uma vez que o calendário na Terra de Israel já está institucionalizado. De nada adiantar um calendário que não seja observado por todo o povo de Israel, pois no Judaísmo vigora o princípio de que todo o povo de Israel deve estar vinculado aos mesmos deveres, obrigações e responsabilidades;
10) Somente Yeshua HaMashiach possui autoridade para alterar o estado das coisas e prescrever uma halachá sobre qualquer questão, inclusive acerca do calendário, com força obrigatória para todo o povo de Israel. Tais prescrições haláquicas caberão a Yeshua, o Rei dos reis, quando do seu retorno.
Que Yeshua HaMashiach venha sem demora!