Os Talmidim e o Shabat

Os Talmidim e o Shabat

No Cristianismo, salvo raras exceções, há uma visão equivocada de que, após a morte de Yeshua, os talmidim (discípulos) deixaram de cumprir o preceito do shabat. Em verdade, como já afiançado, os discípulos observaram as regras do shabat enquanto Yeshua estava em seu meio. Mesmo após a morte e ressurreição do Mashiach (Messias), permaneceram seguindo o shabat, e não o domingo.

Logo depois do sepultamento de Yeshua, as mulheres que o seguiam continuaram a guardar a norma sabática:

“E as mulheres, que tinham vindo com ele da Galil [Galileia], seguiram também e viram o sepulcro, e como foi posto o seu corpo. E, voltando elas, prepararam especiarias e unguentos; e no SHABAT [SÁBADO] repousaram, CONFORME O MANDAMENTO.” (Lc 23: 55 e 56).

Lê-se na narrativa em referência que as mulheres seguidoras de Yeshua guardaram o shabat. Lucas, o autor do texto, escreveu “conforme o mandamento”, ou seja, considerava o shabat como o 4º mandamento.

Lucas também escreveu Ma’assei Sh’lichim (Atos dos Emissários ou “Apóstolos”) muitos anos depois da morte e ressurreição de Yeshua. Em sua narrativa, continua afirmando que os talmidim (discípulos) guardavam o shabat:

“E, partindo de Pafos, Sha’ul [Paulo] e os que estavam com ele chegaram a Perge, da Panfília. Mas Yochanan [João], apartando-se deles, voltou para Yerushalayim [Jerusalém]. E eles, saindo de Perge, chegaram a Antioquia, da Pisídia, e, entrando na sinagoga, num dia de shabat [sábado], assentaram-se.” (Ma’assei Sh’lichim/Atos 13: 14).

“E, despedida a sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos religiosos seguiram Sha’ul [Paulo] e Bar Naba [Barnabé]; os quais, falando-lhes, os exortavam a que permanecessem na graça de Elohim. E no shabat [sábado] seguinte ajuntou-se quase toda a cidade para ouvir a palavra de Elohim.” (Ma’assei Sh’lichim/Atos 13:43-44).

“E no dia de shabat [sábado] saímos fora das portas, para a beira do rio, onde se costumava reunir um lugar de oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que ali se ajuntaram”. (Ma’assei Sh’lichim/Atos 16:13).

“E Sha’ul [Paulo], como tinha por costume, foi ter com eles; e por três shabatot [sábados] disputou com eles sobre as Escrituras.” (Ma’assei Sh’lichim/Atos 17:2).

Analise o último passuk (versículo) acima citado: Sha’ul (Paulo) tinha por costume se reunir no shabat para o estudo das Escrituras.

Sha’ul (Paulo) permaneceu em Corinto pregando em todos os shabatot (sábados) pelo período de um ano e meio, isto é, por aproximadamente 78 (setenta) e oito sábados:

“Todo shabat, Sha’ul [Paulo] debatia na sinagoga, onde tentava convencer judeus e gregos.

(…).

Portanto, Sha’ul [Paulo] permaneceu ali durante um ano e meio, ensinando-lhes a palavra de Elohim.” (Ma’assei Sh’lichim/Atos 18:4 e 11).

Sabe-se que a comunidade dos talmidim (discípulos) se reunia todos os dias (At 2:46 e 5:42), porém, como visto nos textos transcritos, permanecia a guarda do shabat. Em outras palavras, alguém pode estudar as Escrituras, orar e cantar ao ETERNO ao longo de toda a semana, o que é plenamente louvável, porém, isto não afasta o dever de observância do shabat – o quarto mandamento.

Em Ma’assei Sh’lichim/Atos 15, havia certos judeus radicais que achavam incorretamente que a circuncisão era condição para a salvação daqueles que cressem em Yeshua: “Vocês não podem ser salvos, a menos que se submetam à b’rit milá [circuncisão] da forma prescrita por Moshé [Moisés]” (At 15:1). Houve, então, um debate acerca do que fazer com os gentios que se uniram aos sh’lichim (emissários/apóstolos), sendo certo que todos estes eram judeus.  Percebe-se, pela narrativa de Atos 15, que os gentios foram agregados aos emissários judeus e viviam em conjunto como um só corpo. Ya’akov (Tiago), após argumentar que os gentios foram chamados pelo ETERNO, afirmou:

“Portanto, minha opinião é a de que não devemos pôr obstáculos no caminho dos gentios que estão se voltando para Elohim.

Em vez disso, devemos escrever-lhes uma carta para informá-los de que se devem abster das coisas contaminadas por ídolos, da fornicação, do que foi estrangulado e do sangue.

Porque, desde os tempos antigos, Moshé [Moisés] é anunciado em todas as cidades, e suas palavras são lidas nas sinagogas a cada SHABAT.” (Ma’assei Sh’lichim/Atos 15:19-21).

Ora, Ya’akov (Tiago) quis dizer que os gentios deveriam observar algumas regras mínimas (verso 20), porém, aos poucos poderiam ir aprendendo novos mandamentos contidos nas Escrituras, uma vez que as palavras do ETERNO “são lidas nas sinagogas a cada shabat”. Note o relevante detalhe: os gentios iriam aprender sobre os mandamentos do ETERNO: 1) nas sinagogas e 2) no shabat. Vê-se que Ya’akov (Tiago), irmão do Senhor Yeshua, endossou o cumprimento do shabat. Enxerga-se ainda que, até então, o ensino das Escrituras era realizado nas sinagogas, e não nas Igrejas.

Ensina o aramaicista e pesquisador Andrew Gabriel Roth que na comunidade de Atos os discípulos se reuniam nas sinagogas e observavam o shabat. Posteriormente, houve a herética substituição do sábado para o domingo; e a sinagoga, local por excelência de reunião dos discípulos de Yeshua, foi substituída pela “Igreja”. Eis os comentários de Andrew Gabriel Roth acerca de Atos 15:

“Os gentios convertidos estão observando o shabat e aprendendo a Torá em um só corpo com os judeus. Pouco tempo depois, Marcião, chamado por Policarpo de ‘primogênito de Satanás’, constrói a primeira igreja gentílica para promover o cristo-paganismo. Marcião realizava os serviços de culto no domingo, que fundia a cultura de Zeus (o deus sol) e projetava uma híbrida identidade Je-ZEUS em oposição ao Mashiach [Messias] judeu.” (Aramaic English New Testament, comentário sobre Atos 15, nota 143).

Cumpre esclarecer que Policarpo, acima citado, foi discípulo de Yochanan (João). Por sua vez, Marcião, um dos fundadores da instituição “Igreja”, afirmava que existiam dois deuses no Universo que lutavam entre si (um Deus mal, que seria o Deus dos judeus que se manifestou no “Antigo Testamento”, e um Deus bom, que apareceu aos homens no “Novo Testamento”). Marcião propôs um sistema divino dualista, incorporando em sua teologia o pensamento gnóstico. Pelo exposto, depreende-se com nitidez vítrea que o culto no domingo difundido por Marcião incorporou elementos da adoração do “deus sol”, o que sempre foi abominável aos verdadeiros discípulos de Yeshua, que creem que o ETERNO é UM, e estabeleceu o shabat (sábado), e não o domingo, como dia de observância. Eis a razão porque Policarpo, discípulo de Yochanan (João), chama Marcião de “primogênito de Satanás”.

James Caroll, pesquisador da Harvard University, atesta que os discípulos de Yeshua continuaram a obedecer à norma do shabat até o século IV, quando então se institucionalizou a Igreja Católica Romana por ordem do “convertido” Imperador Constantino, in verbis:

“Durante séculos, a celebração da Páscoa pelos cristãos coincidiu exatamente com a Páscoa judaica, e sua observância do Sabá [descanso] continuou a ocorrer no sábado. Foram necessários a ordem de Constantino, já referida anteriormente, e decretos dos concílios da Igreja no século IV para estabelecer distinções nítidas entre as observâncias judaicas e cristãs.” (A Espada de Constantino, pg. 160).

Em sentido idêntico, giza Jacob R. Marcus que os discípulos de Yeshua HaMashiach permaneceram guardando o shabat durante os primeiros séculos (The Jew in the Medieval World: A Source Book, pg. 103).

Epifânio, no século IV, escreveu sobre o grupo dos “nazarenos”, que eram os judeus que criam que Yeshua é o Mashiach (Messias). Relata Epifânio que os nazarenos guardavam regularmente o shabat (Panarion, 29).

Infelizmente, hoje em dia, muitos cristãos continuam negando o shabat (sábado) instituído pelo ETERNO, preferindo seguir o domingo, em obediência à doutrina do “primogênito de Satanás”.

Extraído do livro “Judaísmo Nazareno: o Caminho de Yeshua e de seus Talmidim” (Tsadok Ben Derech)

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