Atualmente, existem diversos grupos judaicos crentes em Yeshua que afirmam: “nós adotamos as mesmas práticas dos originais emissários (apóstolos)”. Sustentam estes grupos que eles são os autênticos discípulos e todos os outros são falsos. Como distinguir o joio do trigo? Como eram os netsarim e quais eram suas crenças?
Qualquer grupo da atualidade somente pode se autodeclarar “nazareno” caso tenha a mesma fé dos discípulos originais de Yeshua. Caso contrário, estarão seguindo falsas doutrinas. Felizmente, existem registros históricos que apontam a legítima e verdadeira fé dos netsarim!
Em diversos capítulos deste livro, iremos abordar várias características dos membros do Caminho sob a perspectiva das Sagradas Escrituras, fonte única e soberana da verdade. Todavia, com o objetivo de introduzir o tema, serão apresentadas características pautadas em registros históricos, deixando-se a análise mais acurada de tais temas ao longo desta obra, ocasião em que serão expostos os fundamentos bíblicos.
a) Os discípulos israelitas eram chamados de netsarim (nazarenos) e não de cristãos
“Estes sectários … não se chamam de cristãos, mas ‘nazarenos’ …” (Epifânio de Salamina; Panarion 29).
b) Reconheciam que Yeshua é o Mashiach (Messias)
“Os Nazarenos … aceitam o Messias de tal maneira que eles não deixam de observar a Lei antiga [Torá].” (Jerônimo, Commentary on Isaiah, Is 8:14)
“Eles não têm ideias diferentes, mas confessam tudo exatamente como a Lei [Torá] proclama e na forma judaica, exceto por sua crença no Messias … Eles discordam dos outros judeus, porque eles vieram à fé no Messias.” (Epifânio de Salamina, Panarion 29).
c) Professavam que Yeshua é o Filho de Elohim
“Eles acreditam que o Messias, o Filho de Deus, nasceu da virgem Maria.” (Jerônimo, Letter 75, Jerome to Augustine).
“… e eles declaravam que Deus é um, e que seu Filho é Jesus Cristo [Yeshua HaMashiach].” (Epifânio de Salamina, Panarion 29.7.2).
d) Criam no nascimento virginal de Yeshua
“Eles acreditam que o Messias, o Filho de Deus, nasceu da virgem Maria.” (Jerônimo, Letter 75, Jerome to Augustine).
e) Eram praticantes da Torá (“Lei”)
“Os Nazarenos … aceitam o Messias de tal maneira que eles não deixam de observar a Lei antiga [Torá].” (Jerônimo, Commentary on Isaiah, Is 8:14).
“Eles não têm ideias diferentes, mas confessam tudo exatamente como a Lei [Torá] proclama e na forma judaica, uma vez que eles ainda estão acorrentados [1] pela Lei [Torá] – a circuncisão, o sábado [shabat] e o restante. Eles não estão de acordo com os cristãos.” (Epifânio de Salamina; Panarion 29).
“Eles [os nazarenos]… perseveram na observância dos costumes que estão prescritos na Lei [Torá]…” (Irineu de Lyon, Contra Heresias, 1:26).
f) Praticavam a circuncisão (b’rit milá)
“…mas [os nazarenos] confessam tudo exatamente como a Lei [Torá] proclama e na forma judaica… a circuncisão [2], o sábado [shabat] e o restante.” (Epifânio de Salamina; Panarion 29).
“Eles [os nazarenos] praticam a circuncisão…” (Irineu de Lyon, Contra Heresias, 1:26).
g) Para os nazarenos, não havia distinção entre “Antigo” e “Novo” Testamento. Toda a Palavra do ETERNO é una e indivisível, inexistido superioridade de um livro bíblico sobre outro. Consequentemente, usavam todas as Escrituras em conjunto (Tanach/“Antigo Testamento” e B’rit Chadashá/“Novo Testamento”)
“Eles usam não só o ‘Novo Testamento’, mas também o ‘Velho Testamento’, assim como os judeus o fazem … ” (Epifânio de Salamina; Panarion 29).
h) Usavam os manuscritos da B’rit Chadashá (Aliança Renovada/“Novo Testamento”) de acordo com os textos originais, escritos em hebraico e/ou aramaico (e não em grego)
“Eles têm o evangelho segundo Mateus totalmente em “hebraico” [3]. Pois é claro que eles ainda preservam esta obra no alfabeto “hebraico” [4], como ele foi originalmente escrito” (Epifânio de Salamina; Panarion 29).
“Escreveu [Hegésipo, o Nazareno] também muitas outras coisas, das quais fizemos menção anteriormente, em parte, ao dispor as narrativas conforme as circunstâncias. Põe algumas coisas tomadas do Evangelho dos hebreus e do Siríaco [Aramaico], e em particular tomadas da Língua Hebraica, mostrando assim que se fez crente sendo hebreu.” (Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, editora Novo Século, 2002, página 92).
i) Os netsarim criam que o ETERNO é um (Echad) [5], e não três Pessoas distintas. Logo, a Doutrina da Trindade, que apregoa que Deus são Três Pessoas diversas, NÃO representa a fé original dos discípulos de Yeshua
“Eles … declaram que Deus é um [ECHAD] …” (Epifânio de Salamina; Panarion 29).
A antibíblica Doutrina da Trindade foi engendrada por Tertuliano (160 a 220 D.C). Na obra “Contra Práxeas”, Tertuliano reprova a maioria dos crentes porque eles eram “monarquistas”, isto é, criam que o ETERNO é UM, e que o Pai, o Filho e o Espírito são manifestações de YHWH. Ou seja, enquanto a maioria dos crentes em Yeshua pensava corretamente que YHWH é UM, apesar de se manifestar por três aspectos distintos (“monarquismo”), Tertuliano apregoava erroneamente que Deus são Três Pessoas Diferentes, ensino tipicamente influenciado pelo paganismo, que concebe a ideia de vários deuses.
Cita-se passagem em que Tertuliano combate injustamente a maioria dos crentes:
“Os simples, de fato, (não os chamarei de não-sábios nem de indoutos), que constituem a maioria dos crentes, ficam assombrados com a dispensação (dos três em um), no sentido de que a sua própria regra de fé os afasta da pluralidade de deuses para um único e verdadeiro Deus; não compreendem que, apesar dEle ser o único e verdadeiro Deus, Ele deve ser crido em sua própria economia… Eles estão constantemente nos atacando, dizendo que somos pregadores de dois deuses e de três deuses, enquanto eles mantêm preeminentemente o crédito para eles mesmos de serem adoradores do Único Deus; tal como se a Unidade em si com suas deduções irracionais não produzisse heresia, e a Trindade racionalmente considerada constitui a verdade. ‘Nós’, dizem eles, ‘mantemos a Monarquia (ou único governo de Deus)’.” (Contra Práxeas, Capítulo 3).
Aprende-se que a maioria dos crentes não criam em Trindade, mas eram “adoradores do Único Deus”. E mais: estes fiéis discordavam da Doutrina da Trindade porque diziam que esta implica na crença da pluralidade de deuses, o que é condenado pela Bíblia.
Sustentava a maioria dos crentes que YHWH é UM, manifestando-se de várias formas (Pai, Filho e Espírito). Eis como Tertuliano descreve o pensamento da multidão de discípulos de Yeshua:
“Ele mantém que só há um Senhor, o Todo-Poderoso Criador do mundo…
(…)
Ele diz que o próprio Pai desceu até a virgem, foi Ele mesmo nascido dela, Ele mesmo sofreu, de fato foi Ele mesmo Jesus Cristo.” (Contra Práxeas, capítulo 1).
“No curso do tempo, então, o Pai verdadeiramente nasceu, e o Pai sofreu, o próprio Pai, o Senhor Todo-Poderoso, a quem em suas orações eles [os monarquistas] declaram ser Jesus Cristo.” (Contra Práxeas, capítulo 2).
“Mas já que eles consideram os Dois como sendo senão Um, de forma que o Pai seja julgado como sendo o mesmo que o Filho, é justamente certo que toda a questão a respeito do Filho seja examinada, como, se Ele existe, quem Ele é e o modo de sua existência.” (Contra Práxeas, capítulo 5).
Tertuliano reconhece que a concepção de o ETERNO ser UM, manifestando-se como Pai, Filho ou Espírito, é fruto da fé judaica, ou seja, representa o pensamento dos judeus nazarenos. Porém, Tertuliano critica o conceito judaico:
“Mas, esta doutrina sua dá testemunho à fé judaica, na qual esta é a substância – acreditar tanto na Unidade de Deus que recusa a reconhecer o Filho ao lado dele, e depois do Filho o Espírito.
(…)
Pois eles [adeptos da fé judaica] negam o Pai, quando dizem que Ele é o mesmo que o Filho; e eles negam o Filho quando eles supõem que Ele seja o mesmo que o Pai…” (Contra Práxeas, capítulo 31).
No primeiro parágrafo citado, os adeptos da fé judaica discordam da ideia de que o Filho possa estar ao lado do Pai e do Espírito. Por quê? Porque para os judeus não existem Três Pessoas, mas apenas um único YHWH. Já no segundo parágrafo transcrito, fica claro que os crentes com fé judaica diziam que tanto o Pai quanto o Filho são o mesmo ETERNO. Este tema será desenvolvido com maior profundidade no capítulo IX deste livro.
j) os israelitas do Caminho aceitavam a “tradição judaica”, mas não se subordinavam à halachá [6] rabínica
“Eles não têm ideias diferentes, mas confessam tudo exatamente como a Lei [Torá] proclama e na forma judaica …” (Epifânio de Salamina; Panarion 29).
“Escreveu [Hegésipo, o Nazareno] também muitas outras coisas, das quais fizemos menção anteriormente, em parte, ao dispor as narrativas conforme as circunstâncias. Põe algumas coisas tomadas do Evangelho dos hebreus e do Siríaco [aramaico], e em particular tomadas da Língua Hebraica, mostrando assim que se fez crente sendo hebreu. E não apenas isto mas também menciona outras coisas procedentes de uma tradição judia não escrita.” (Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, editora Novo Século, 2002, página 92).
Apesar de os membros do Caminho seguirem certas tradições orais, não se sujeitaram às leis rabínicas (halachá) criadas pelos escribas e fariseus. Há cinco fragmentos de um antigo comentário dos nazarenos sobre o profeta Yeshayahu (Isaías), datado do século IV, apontando o manuscrito que os nazarenos não seguiram a halachá rabínica farisaica. Observe o que diz o comentário nazareno sobre Yeshayahu/Isaías 8:14:
“ ‘E ele deve ser um santuário, mas servirá de pedra de tropeço e rocha de escândalo às duas casas de Israel …’. Os Nazarenos explicam as duas casas como as duas casas de Shamai e Hilel, das quais originaram os escribas e fariseus … [eles, os fariseus] dissiparam e profanaram os preceitos da Torá [“Lei”] pelas tradições e pela Mishná. E essas duas casas não aceitaram o Salvador … ” (apud James Scott Trimm, Ten Historical Characteristics of the “Authentic” Netzarim).
Extraído do livro “Judaísmo Nazareno: o Caminho de Yeshua e de seus Talmidim” (Tsadok Ben Derech)
Notas
1 Epifânio, um dos “pais” da Igreja Católica, era inimigo dos nazarenos e, por tal razão, usou esta expressão depreciativa: “estão acorrentados pela Lei”. Na verdade, a Lei (Torá) não aprisiona ninguém, mas sim é um instrumento de bênçãos. Sha’ul (Paulo) escreveu: “Assim, a Torá [Lei] é santa; e o mandamento, santo justo e bom” (Romanos 7:12). Obviamente, se a Torá é santa, justa e boa, não produz mal ao ser humano, e sim bênçãos.
2 Importante lembrar que Sha’ul (Paulo) circuncidou Timóteo (At 16:3), donde se conclui que não era contra a circuncisão (b’rit milá). Mas como explicar as diversas passagens em que Sha’ul (Paulo) aparentemente critica a circuncisão? (ex: Rm 2:25-29; Gl 5:2-6; Cl 2:11e 3:11). Sha’ul (Paulo) não se opôs à circuncisão em si, tanto é que circuncidou Timóteo, porém, reprovou aqueles que ensinavam ser a circuncisão requisito essencial da salvação (At 15:1). Logo, em suas cartas, Sha’ul está condenando o pensamento de que o sangue de Yeshua é insuficiente e que seria imprescindível a circuncisão para a obtenção da salvação. Em suma, lutou contra a seguinte fórmula: fé + circuncisão = salvação. Ensinou Sha’ul que a salvação se dá pela graça por meio da fé, não sendo a circuncisão pressuposto para a salvação (Ef 2:8). Porém, a prática da circuncisão em si é benigna e foi instituída pelo próprio ETERNO, sendo que a Torá prevê a b’rit milá obrigatoriamente para judeus e facultativamente para gentios (Gn 17:10-14 e 23-27; Ex 12:43-49). Sha’ul (Paulo) elogiou e pregou a circuncisão (Rm 3:1-2; Gl 5:11). Afirmou ainda que a circuncisão é proveitosa para aqueles que obedecessem a Torá (Rm 2:25), cabendo destacar que os discípulos de Yeshua eram zelosos no cumprimento da Torá (At 21:20). Entretanto, em relação aos gentios, já que a Torá não obriga a circuncisão destes como condição para servirem ao ETERNO, entendeu Sha’ul que deveriam permanecer do jeito que foram chamados (1 Co 7:18-20), ou seja, incircuncisos, já que a salvação operada pelo Mashiach alcança tanto os judeus circuncisos quanto os gentios incircuncisos. Aliás, na teologia judaica prevalece o entendimento de que “os gentios justos terão porção no mundo vindouro” (Rambam, Mishneh Torá, Lei de Reis 8:11). Confira-se, ainda, Tosefta Sanhedrin 13:2.
3 Muitos estudiosos apontam que a palavra “hebraico” deve ser lida como “aramaico”. Por quê? Porque naquela época o aramaico também era chamado de “hebraico”, pois ambos os idiomas usavam o mesmo alfabeto e caracteres de escrita, além de o aramaico ser falado amplamente pelos hebreus (George A. Kiraz, Syriac New Testament Peshitta; William Jennings, Lexicon to the Syriac New Testament, página 158; S. J. Louis-Costaz, Syriac-French-English-Arabic Dictionary, página 243; David Bauscher, The Aramaic-English Peshitta Interlinear New Testament, página 288; Marcus Jastrow, Dictionary of the Targumim, página 1040).
4 Vide nota anterior.
5 O pilar da fé judaica reside na crença de que YHWH é apenas 1 (UM): “Ouve, Israel, YHWH, nosso Elohim, YHWH é um” (Devarim/Deuteronômio 6:4). Este texto bíblico, em hebraico, é conhecido como Shemá (“Ouve”), e é repetido pelos judeus em suas orações pelo menos duas vezes ao dia (manhã e noite). Não existe nas Sagradas Escrituras nenhum texto dizendo: “O ETERNO são Três”, logo, a Doutrina da Trindade é antibíblica.
6 Halachá é o conjunto de leis e mandamentos estabelecidos por rabinos, extraídos da interpretação da Torá e dos costumes e tradições do povo de Israel, servindo como guia de conduta do modo de viver judaico. Algumas leis rabínicas da halachá são incompatíveis com as Escrituras, levando Yeshua a reprová-las (Mc 7:8-9). Por outro lado, há costumes e tradições do povo de Israel que se harmonizam com a Bíblia, podendo ser observadas pelos seguidores de Yeshua (At 21:21 e 28:17 e 2ª Ts 2:15). Assim, deve-se utilizar a Palavra de YHWH como filtro das tradições, costumes e leis rabínicas.