Existem contradições nos relatos  acerca da ressurreição de Yeshua?

Existem contradições nos relatos  acerca da ressurreição de Yeshua?

Por Tsadok Ben Derech

Certos grupos nos têm questionado acerca de supostas contradições nos relatos sobre a ressurreição de Yeshua.

Com efeito, existem nuances nas narrativas dos quatro evangelhos, razão pela se faz mister esclarecer algumas dúvidas.

Inicialmente, cumpre registrar que o subscritor do presente texto atua por quase duas décadas na área jurídica, e está habituado a analisar, semanalmente, depoimentos de testemunhas.

Em processos judiciais, muitas vezes há pequenas divergências nos depoimentos das testemunhas, ainda que todas estejam falando a verdade. Por quê? Porque os seres humanos possuem percepções diferentes sobre a mesma realidade, e cada um possui uma maneira distinta de registrar as informações e de transmiti-las.

Eis um exemplo que facilmente ilustrará a questão:

Tício é um criminoso que mata com 10 (dez) facadas determinada vítima. A 1ª testemunha diz: “Eu vi que Tício cometeu assassinato desferindo 8 (oito) golpes de faca”. A 2ª testemunha declara: “Tício matou com 10 (dez) facadas”. A 3ª testemunha depõe: “Eu vi quando Tício matou a vítima com brutalidade, e desferiu 12 (doze) golpes de faca”.

Ora, há nítida divergência nos depoimentos quanto ao número de facadas (8, 10 e 12), porém, isto não significa que as testemunhas estejam mentindo. Todas elas presenciaram o homicídio, mas cada uma computou de uma maneira o número de golpes. Em verdade, foram 10 (dez) facadas, mas a 1ª testemunha somente contou 8 (oito), a 2ª testemunha acertou exatamente o número dos golpes (10 facadas), já a 3ª testemunha ficou tão nervosa ao presenciar o crime que contou erroneamente o número de facadas, dizendo 12 (doze) em vez de 10 (dez).

Repita-se: todas as três testemunhas citadas eram pessoas sinceras, mas cada uma descreveu o fato de uma forma.

Não obstante, a divergência dos depoimentos recai sobre fato não essencial, e que não alterará o resultado do julgamento.  O fato principal foi confirmado por todas as testemunhas: Tício praticou o crime de homicídio, morrendo a vítima em razão das facadas desferidas. Logo, apesar das pequenas discrepâncias nos depoimentos, será justa a condenação do criminoso Tício.

Da mesma forma, nos 4 (quatro) evangelhos, encontram-se nuances nas narrativas sobre a morte e a ressurreição de Yeshua, mas tais nuances não são contradições, já que os fatos principais são atestados em todos os evangelhos: Yeshua morreu e ressuscitou! Isto sim é o fato relevante.

Vejamos, aqui e agora, algumas supostas contradições nos evangelhos e as respectivas respostas demonstrando que não há contradição ou erro.

Suposta contradição: Matityahu (Mateus) afirma que foram ao sepulcro Miryam de Magdalah e a outra Miryam, ou seja, duas mulheres (Mt 28:1); Yochanan Markus (Marcos) diz que foram três mulheres – Miryam de Magdalah, Miryam (mãe de Ya’akov) e Shlomit (Mc 16:1); Yochanan (João) escreve sobre a ida de Miryam de Magdalah (Jo 20:1). Quantas mulheres foram ao sepulcro? Uma, duas ou três?

Resposta: Yochanan (João) e Matityahu (Mateus) teriam errado caso redigissem, respectivamente, que “apenas” uma ou duas mulheres foram ao sepulcro, porém, não é isto que está escrito. Yochanan (João) e Matityahu (Mateus) tão somente registraram as testemunhas que lhes pareceram as mais importantes, enquanto Yochanan Markus (Marcos) fornece a lista completa das testemunhas do fato. Assim sendo, não há contradição, mas apenas um registro mais sucinto ou mais detalhado dos nomes das mulheres que foram ao sepulcro.

Suposta contradição: Yochanan Markus (Marcos) escreveu que 3 (duas) mulheres foram ao sepulcro (Mc 16:1), mas Lucas disse que foram “várias mulheres” (Lc 24:1).

Resposta: Lucas não disse que “várias mulheres” foram ao túmulo, mas sim que “elas” foram. E quem são “elas”? São justamente as 3 (três) mulheres registradas no evangelho de Yochanan Markus (Marcos), consoante Mc 16:1.

Suposta contradição: Há divergência no nome das mulheres citadas que foram ao túmulo.

Resposta: Não há divergência no nome das mulheres. Basta ler os textos de Mt 28:1 e Mc 16:1 para se chegar à conclusão de que foram ao túmulo Miryam de Magdalah, Miryam (mãe de Ya’akov) e Shlomit.

Suposta contradição: Um evangelho diz que a pedra foi rolada antes de as mulheres terem chegado ao sepulcro, e outro evangelho assevera que isto aconteceu quando as mulheres já estavam lá.

Resposta: A assertiva acima não está correta. Com efeito, Yochanan Markus (Marcos) e Lucas escreveram que a pedra do túmulo tinha sido revolvida antes de as mulheres chegarem (Mc 16:4 e Lc 24:1-2), e Matityahu apenas explica como a pedra foi removida: por um anjo de YHWH (Mt 28:2). Ou seja, antes de as mulheres chegarem este anjo “removera a pedra e estava sentado sobre ela” (Mt 28:2), ocasião em que as mulheres se depararam com o anjo (Mt 28:5).

Suposta contradição: Cada evangelho diz uma coisa diferente. Um afirma que eram dois anjos, outro relata um anjo, e a terceira versão assevera que foi um rapaz jovem.

Solução: Matityahu (Mateus) escreveu sobre “o anjo” (Mt 28:5); já Lucas se refere a dois varões em vestes resplandecentes, ou seja, dois anjos (Lc 24:4); Yochanan Markus (Marcos) registra um moço vestido de alvo manto (Mc 16:5). Ora, haveria contradição caso Matityahu dissesse que havia “apenas” um anjo, mas isto não ocorre. Então, conclui-se facilmente que havia dois anjos no local (Lc 24:4), e Matityahu registra tão somente o anjo principal (Mt 28:5), qual seja, aquele que removeu a pedra do túmulo e estava assentado sobre ela (Mt 28:2). O outro anjo não estava sentado sobre a pedra, mas sim estava dentro do sepulcro, e tinha a aparência de um rapaz (Mc 16:5).

Suposta contradição: Certo discípulo encontrou o Mashiach após a ressurreição, uma pessoa que conviveu com ele durante anos, mas de repente não o reconheceu. Como, se o corpo era o mesmo, já que teria ressuscitado?

Resposta: Conforme atestam as Escrituras, os discípulos não reconheceram Yeshua, já que “os seus olhos, porém, estavam como que impedidos de o reconhecer” (Lc 24:16). Isto torna claro que Yeshua estava com o mesmo corpo, contudo, de forma sobrenatural os seus discípulos não o reconheceram (Lc 24:16). Ou seja, o reconhecimento de Yeshua lhes tinha sido impedido miraculosamente, até que os olhos deles fossem abertos (Lc 24:31).

Suposta inserção fraudulenta: Há doze versos no Livro de Marcos que foram acrescentados posteriormente pela Igreja Católica.

Resposta: Este argumento é veiculado por aqueles que creem na origem grega do evangelho de Marcos, já que a seção de Mc 16:9-20 não consta em alguns manuscritos (ex: Codex Sinaiticus e Vaticanus), apesar de existir em muitos outros (ex: Bizantino, Alexandrino, Washingtoniano, dentre outros).

Por que a teoria da inserção fraudulenta no Livro de Marcos está incorreta?

1) Mc 16:9-20 consta dos textos aramaicos da Peshita e Peshito, sendo plenamente reconhecida a sua validade;  

2) O citado texto da Peshita não passou pelas mãos da Igreja Católica;

3) Portanto, a discussão sobre a validade de Mc 16:9-20 existe tão somente em relação aos textos gregos, mas os textos aramaicos (Peshita e Peshito) não possuem qualquer tipo de divergência nesta matéria, pois ambos reconhecem a originalidade de Mc 16:9-20;

4) Se a Igreja Católica tivesse manipulado os textos gregos, então, a seção de Mc 16:9-20 existiria no Codex Vaticanus, que foi conservado na Biblioteca do Vaticano. Porém, contrariando a teoria da manipulação, o próprio Codex Vaticanus não contém a parte de Mc 16:9-20. Ora, se a Igreja Católica crê na validade de Mc 16:9-20, então, por que conservou manuscrito que justamente dispõe em contrário?

5) Caso a Igreja Católica adulterasse as Escrituras, por que não vemos absolutamente nada na Bíblia sobre adoração a Maria, intercessão dos santos, culto aos mortos, admissão de se prostrar aos ídolos etc? Vejam: o “Novo Testamento” depõe contra as próprias práticas católicas!

6) Ainda que alguém risque da Bíblia a seção de Mc 16:9-20, isto fará diferença em relação a alguma doutrina? Não! Por quê? Porque permanecem intocáveis os relatos sobre a mensagem, a vida, a morte e a ressurreição de Yeshua, tal como descrita nos outros evangelhos.

Conclusão

Não existem contradições e erros nos documentos conhecidos popularmente como “Novo Testamento”.

Interessante observar que os antimissionários atacam com tanta sede o “Novo Testamento”, como se o Tanach (Primeiras Escrituras/“Antigo Testamento”) estivesse totalmente correto.

Ora, por que não usar o mesmo peso e a mesma medida contra os antimissionários?

Fato é que o Tanach (Primeiras Escrituras/“Antigo Testamento”) possui contradições e erros, conforme atesta Emanuel Tov, Professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, na clássica obra intitulada “Textual Criticism of the Hebrew Bible”.

Estes erros e contradições anulam a nossa fé no Tanach? Não, já que as discrepâncias são sobre fatos acessórios, e não sobre os fatos fundamentais.

De forma idêntica, é perfeitamente admissível a utilização deste critério para endossar a validade dos Ketuvim Netsarim (Escritos Nazarenos/“Novo Testamento”), até pelo fato de estes livros sempre terem sido utilizados pelos judeus que creram em Yeshua, inclusive por dezenas de rabinos ortodoxos e eruditos judeus[1].


[1] Eis uma lista resumida de tais rabinos e eruditos judeus que creram em Yeshua como Mashiach e atestaram a validade do “Novo Testamento”: Rabbi Shlomoh Meir Ben Moshé, Rabbi Daniel Zion, Rabbi Armond Danny Moyal, Rabbi Leopold Cohn, Rabbi Isaac Lichtenstein, Rabbi Max Wertheimer, Rabbi Harold Vallins, Rabbi Philipp Philips, Rabbi Sam Stern, Michael Solomon Alexander, Rabbi Joseph Teischman, Rabbi Kaufmann Kohler, Rabbi P. Daniel Weiss, Dr. Israele Zolli, Rabbi Dr. Müller, Rabbi Henry Bregman, Rabbi Ephraim Ben Joseph Eliakim, Rabbi Jacobs, Rabbi George Benedict, Rabbi Chil Slostowski, Rabbi Charles Freshman, Rabbi Berg, Rabbi Asher Levy, Rabbi Rudolf Hermann Gurland, Rabbi Dr. T. Tirschtiegel, Rabbi Azriel Ben Isaac e Rabbi Marcus Hoch.

 

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