Existe a ideia de mediador no Judaísmo? Existe o conceito judaico de que o Mashiach é homem e Elohim?

Existe a ideia de mediador no Judaísmo? Existe o conceito judaico de que o Mashiach é homem e Elohim?

 

 

Por Tsadok Ben Derech

 

O judaísmo rabínico moderno afirma que não existe no pensamento judaico o conceito de mediador (intermediário).

Então, alegam os antimissionários:

1) no Judaísmo não existe o conceito de mediador;

2) a B’rit Chadashá (“Novo Testamento”) defende que Yeshua é um mediador entre os homens e Elohim;

3) conclusão: a B’rit Chadashá contraria o Judaísmo.

Todavia, os argumentos dos antimissionários estão totalmente incorretos, porquanto a Torá e a literatura israelita falam expressamente que Moshé (Moisés) foi um mediador entre o ETERNO e o povo de Israel.

Com efeito, somente Moshé encontrou-se com YHWH para receber as luchot (tábuas) da Torá, realizando a intermediação entre o ETERNO e Israel:

“e disseram a Moshé [Moisés]: ‘Fala tu mesmo conosco, e ouviremos. Mas que Elohim não fale conosco, para que não morramos’.

Moshé [Moisés] disse ao povo: ‘Não tenham medo! Elohim veio prová-los, para que o temor de Elohim esteja em vocês e os livre de pecar’” (Shemot/Êxodo 20:19,20).

Após o pecado do bezerro de ouro, Moshé intercedeu pelo povo de Israel, e este obteve o perdão do ETERNO. Novamente Moshé sobiu ao monte para receber as tábuas da Torá, agindo como mediador, porquanto os filhos de Isarel não podiam conectar-se diretamente com YHWH, necessitando de Moshé para fazê-lo:

“E prostrei-me perante o ETERNO; aqueles quarenta dias e quarenta noites estive prostrado, porquanto o ETERNO dissera que vos queria destruir.

E orei ao ETERNO, dizendo: ETERNO ELOHIM, não destruas o teu povo e a tua herança, que resgataste com a tua grandeza, que tiraste do Egito com mão forte.

Lembra-te dos teus servos, Avraham [Abraão], Yitschak [Isaque], e Yaakov [Jacó]. Não atentes para a dureza deste povo, nem para a sua impiedade, nem para o seu pecado;

Para que o povo da terra donde nos tiraste não diga: Porquanto o ETERNO não os pôde introduzir na terra de que lhes tinha falado, e porque os odiava, os tirou para matá-los no deserto;

Todavia são eles o teu povo e a tua herança, que tiraste com a tua grande força e com o teu braço estendido.

Naquele mesmo tempo me disse o ETERNO: Alisa duas tábuas de pedra, como as primeiras, e sobe a mim ao monte, e faze-te uma arca de madeira;

E naquelas tábuas escreverei as palavras que estavam nas primeiras tábuas, que quebraste, e as porás na arca.

Assim, fiz uma arca de madeira de acácia, e alisei duas tábuas de pedra, como as primeiras; e subi ao monte com as duas tábuas na minha mão.

Então escreveu nas tábuas, conforme à primeira escritura, os dez mandamentos, que o ETERNO vos falara no dia da assembleia, no monte, do meio do fogo; e o ETERNO mas deu a mim;

E virei-me, e desci do monte, e pus as tábuas na arca que fizera; e ali estão, como o ETERNO me ordenou” (Devarim/Deuteronômio 9:25 a 10:5).

Ao comentar o texto de Devarim (Dt) 10:1, o Midrash Rabá afirma que Moshé foi um intermediário:

“Deus disse a Moisés: você era o intermediário entre mim e meu povo. Você quebrou as tábuas [que lhe foram confiadas], então, você deve substituí-las. Portanto, ‘lavre duas tábuas de pedra, como as primeiras’ (Dt 10:1)” (Midrash, Devarim Rabá 3:12).

Em seu clássico comentário ao livro de Deuteronômio, o Rabino Jeffrey Tigay também afiança que Moshé foi apontado como um intermediário (The JPS Torah Commentary, Philadelphia: Jewish Publication Society, 1996, p. 72).

No mesmo sentido são as lições do Rabino Gunther Plaut:

“Tornou-se um aspecto fundamental do ensino judaico – em contraste com o Cristianismo – que as pessoas não precisam nem podem usar um intermediário em seu relacionamento com Deus (veja I Sam. 2:25). No entanto, este princípio não se aplicou de forma decidida quando se tratava da posição que Moisés ocupava como mediador entre Deus e Israel. De acordo com o próprio relato de Moisés, foi sua intervenção que adquiriu o perdão de Deus, foi sua advocacia que salvou as pessoas dos efeitos da ira divina. Isso coloca Moisés, o homem que pode falar com Deus face a face e que retornou desses encontros com o resplendor da sua fronte, em uma categoria que só pode ser descrita como sobre-humana, até semidivina” (W. Gunther Plaut and David E. Stein, eds., The Torah: A Modern Commentary, Revised; Accordance electronic ed., New York: Union for Reform Judaism, 2006, p. 1243).

Esta natureza sobre-humana e até mesmo semidivina de Moshé (Moisés) faz parte de antiga tradição judaica. Remotos registros israelitas chegaram a afirmar que Moshé foi meio homem e meio Elohim.

No primeiro século AC, o filósofo judeu Filo de Alexandria escreveu sobre a natureza divina de Moshé:

“Pois [Moshé] também foi chamado de Elohim e rei de toda a nação” (On the Life of Moses, 1:158).

O aclamado Rabino Louis Ginzberg cita várias fontes judaicas que realmente atribuem o status divino a Moisés:

“Moisés não morreu … Moisés era meio terrestre, meio celestial…”.

“… Ish Elohim, homem de Deus, significa o Mestre dos anjos”.

“O homem perfeito não é Deus nem homem, mas algo entre o incriado – Deus – e o perecível”.

“O homem que é totalmente possuído pelo amor de Deus já não é um homem, mas na verdade é Deus”

(Legends of the Jews, Vol. VI, Philadelphia: Jewish Publication Society, 1947, p. 166).

Midrash Rabá também preconiza o status de Moshé como meio homem e meio Elohim:

“a metade inferior [de Moshé] era homem [Ish], mas sua metade superior era Deus [HaElohim]” (Midrash Rabá, Devarim Rabá 11:4).

Interessante observar que certos judeus ortodoxos do Chabad, que creem no messianismo e na divindade do Rebe Menachem Mendel Schneerson, explicam que o Rebe exerce a função de intermediário entre Deus e os homens:

“Nós não podemos conectar a Deus diretamente. Precisamos do Rebe para levar nossas orações daqui para lá e para ajudar-nos neste mundo”[1].

Estes membros do Chabad também creem na divindade do Rebe:

“O Rebe não é algo diferente de Deus, o Rebe é uma parte de Deus” . “O Rebe é Deus…”[2].

Com fundamento em todos os textos já citados, chegam-se às seguintes conclusões:

1) o conceito da existência de um intermediador entre o ETERNO e Israel é tipicamente judaico, conforme ensina a Torá, e Moshé foi apontado como este mediador;

2) muitos judeus ortodoxos do Chabad afirmam que o Rebe Menachem Mendel Schneerson é o Mashiach, atribuindo-lhe a função de mediador entre Deus e Israel. Consequentemente, a concepção de que o Mashiach exerce a função de intermediário é nitidamente judaica;

3) se até Moshé foi considerado homem e Elohim, com mais razão o Mashiach poderá ser reputado homem e Elohim, já que o Mashiach é maior do que Moshé e até mesmo maior do que os anjos ministradores, conforme ensina o Midrash (Tanhuma sobre Isaías 52:13);

4) alguns judeus ortodoxos do Chabad declararam que o Rebe Menachem Mendel, que para eles seria o Mashiach, não foi um simples homem, mas também foi Deus;

5) assim sendo, faz parte de certa tradição judaica o pensamento de que o Mashiach é um intermediário entre o ETERNO e os homens, sendo ainda homem e Elohim.

Da mesma forma, a B’rit Chadashá aponta Yeshua HaMashiach como intermediário (1 Tm 2:5) e Elohim (Jo 1:1, Fl 2:11).

“Porque Elohim é um, e o mediador entre Elohim e os filhos dos homens é um: o Filho do Homem, Yeshua HaMashiach” (1 Tm 2:5, tradução do aramaico).

“Em princípio era a Palavra, e esta Palavra estava com Elohim, e Elohim era aquela Palavra” (Jo 1:1, tradução do aramaico). OBS: no contexto do texto, Yeshua é identificado como a Palavra, e o verso citado afiança que a Palavra (Yeshua) é Elohim.

“e toda língua confesse que YHWH  é Yeshua HaMashiach, para a glória de seu Pai Elohim” (Fl 2:11, tradução do aramaico).

Destarte, percebe-se com clareza solar que os conceitos desenvolvidos na B’rit Chadashá sobre Yeshua HaMashiach estão totalmente enraizados no pensamento judaico, e não são uma invenção da religião cristã, como incorretamente pensam alguns. A B’rit Chadashá é um livro judaico escrito por judeus, e consequentemente é produto da fé israelita na qual está assentada.

 


[1] https://www.haaretz.com/news/the-lubavitcher-rebbe-as-a-god-1.212516

[2] https://www.haaretz.com/news/the-lubavitcher-rebbe-as-a-god-1.212516

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